Redação
Nesta matéria, por conta do Dia da Consciência Negra, apresentamos um relato, mesmo que incompleto, sobre as origens dos africanos trazidos cativos ao Espírito Santo e ao Brasil, assim como o tratamento dado pelos senhores a seus escravos e ao movimento de resistência contra a escravidão. A questão ainda é a falta ou a dificuldade de acesso à documentação sobre esse período importante de nossa história, observam os pesquisadores.
De acordo com estudos de Cleber da Silva Maciel publicados em sua obra Negros no Espírito Santo (1994), os africanos trazidos ao Brasil como escravos são divididos em dois grandes grupos: sudaneses e bantos. Os primeiros têm origem ao norte, cujo centro de embarque para as Américas é Lagos, de colonização inglesa, então parte da grande Guiné, hoje principal centro metropolitano da Nigéria. Sua língua oficial atual é o inglês, mas há outras dezenas de línguas e dialetos de diferentes etnias.
Já os bantos, originalmente, têm seu embarque ao sul, principalmente por Luanda, de colonização portuguesa, capital da atual Angola, que tem como língua oficial o português e igualmente com dezenas de línguas e dialetos falados correntemente por suas nações e povos. Há africanos embarcados de Moçambique, na costa leste do continente, também de dominação lusitana.
Portanto, durante todo o período colonial, portos que se transformam em grandes centros urbanos são, então, o local de embarque do africano aprisionado: Cabo Verde, Dakar, Mina, Príncipe, São Tomé, Cabinda, Luanda, Benguela, Moçambique, segundo a citada obra de Maciel.
São trazidos ao Brasil 4,8 milhões de escravos de meados do século 16 até 1850, segundo os historiadores, o que equivale a mais de 40% dos africanos trazidos às Américas.
Chegada ao continente
Tanto sudaneses como bantos se constituem em vários grupos étnicos, cada um com sua cultura, dialeto, habilidade, grau de conhecimento, intelectualidade, tecnologia. São classificados de acordo com sua valentia, bravura, força, rebeldia, religião e conhecimento.
A historiadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e professora de educação básica na rede pública de ensino de Vitória, Lavínia Coutinho Cardoso, reflete sobre a situação da população afrodescendente capixaba. “Refazer um laço que foi desfeito a partir da violência que foi o massacre imposto às culturas e civilizações da África, na desarticulação dessas sociedades, na captura, no sequestro dessas pessoas para o Brasil. Repetindo Beatriz Nascimento, somos uma população transatlântica. Somos negros e negras da diáspora, somos resultado da diáspora”.
Uma parte considerável dos africanos professa o islamismo, o que a torna alvo em um país cristão. Durante os anos 1500, boa parte dos cativos é composta de sudaneses, de acordo com Maciel. Mas também há aqueles que não recebem influência muçulmana e são discriminados por suas práticas religiosas ancestrais, consideradas pagãs, feitiçarias, principalmente os bantos.
Em São Salvador, Bahia, há mais tolerância religiosa e liberdade para os africanos, em boa parte sudaneses islâmicos. Eles exercerem profissões mediante um imposto pago periodicamente aos seus proprietários. Esses africanos não vivem em senzala; vivem em casas e constituem famílias. Em 1835, num desses sobrados é organizada a maior revolta dos sudaneses malês (muçulmanos), conhecida na história como Revolta dos Malês.
Provavelmente, essa relação senhor e seu escravo se reproduz em outros lugares. Mas os então chamados maometanos são considerados perigosos, conforme explica a pesquisadora Lavínia Cardoso.
Um agravante para saber com precisão de onde e para onde vão os africanos escravizados é o fato de que, a partir da proibição do tráfico, essa catalogação fica mais imprecisa. Segundo Maciel, além disso, em todo o período colonial, há a migração interna, dificultando ainda mais o conhecimento da origem e o destino dos escravos.
Cleber Maciel comenta obras que estudam outras regiões do país, ainda assim, com um elevado grau de incerteza. “Percebe-se então que os conhecimentos são muito gerais, superficiais e imprecisos. Logo, é de prever que especificamente para o Espírito Santo as deficiências sejam ainda maiores”.
Negros no Espírito Santo
Hoje, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o número de pretos e pardos no estado corresponde a mais de 50% da população capixaba.
Há, desde a metade do século 16, na capitania, três engenhos de açúcar: Guarapari I, Guarapari II e Taquari (na atual Cariacica), provavelmente utilizando a mão de obra indígena escravizada.
A historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Juliana Sabino, em seu trabalho de 2017, A Capitania do Espírito Santo sob a Égide dos Filipes: escravidão, comércio de escravos e dinâmicas de mestiçagens (1580-1640), citando o historiador capixaba José Teixeira Oliveira, constata que na década de 1620 há registros de escravos que são adquiridos em troca de açúcar e outros produtos.
Na tabela abaixo, Maciel descreve a distribuição da população capixaba de 1872 até 1950. Pretos e pardos constituem a maioria da população, aponta o levantamento.