Por Andreia Ferreira e Wing Costa
Iara, Princesa, Pantera, Belinha e Mascarada já conhecem bem a rotina de retirada do leite. Quando chamadas pelos nomes, caminham de maneira organizada para a ordenha no curral, que inicia por volta das cinco e meia da manhã. Elas são algumas das 20 vacas dos produtores familiares Arildo Natal e Vanilza Burini, da comunidade de São João de Crubixá, em Alfredo Chaves. A família conquistou trabalho e renda com a produção de leite, tendo como agente de transformação de vida uma cooperativa que completa 59 anos. Assista o vídeo acima.
O trabalho organizado e cauteloso, feito também pelo filho Mateus Burini Natal, é desempenhado com auxílio da tecnologia, uma realidade conquistada ao longo dos anos. A família iniciou a produção de leite em 2007, com cinco vacas. Antes disso, Arildo se dedicava ao cultivo de café com os irmãos durante o dia e Vanilza dava aulas, no turno da noite, na escola da comunidade. Os horários de trabalho conflitantes dificultavam o encontro do casal e o maior convívio em família. Esses fatores tiveram grande influência na decisão de investir em uma nova atividade, em que a família pudesse trabalhar unida e com maior possibilidade de renda.
No início do novo trabalho, a produção de leite chegava a 50 litros por dia. Com o desenvolvimento promissor, a família investiu na compra de mais vacas e gradativamente aumentou a quantidade de leite retirado diariamente. A cooperação que começou na família dos Burini Natal logo evoluiu para uma família ainda maior, a da Cooperativa de Laticínios de Alfredo Chaves (Clac). Arildo e Vanilza são produtores de leite há cerca de 14 anos, mesmo período em que são cooperados da Clac.
“Começamos a mandar leite para a cooperativa há 14 anos. Quando a gente tava com produção de 50 litros de leite a gente tava sem caminho. A cooperativa promoveu um encontro com um técnico e tivemos a oportunidade de um profissional vir aqui na propriedade ver o que a gente podia e o que devia mexer para aumentar a nossa produção de leite”, lembrou Arildo.
O cooperativismo favoreceu diversos outros benefícios para a família. Nas falas de Vanilza, o acesso à assistência técnica promovido pela Clac foi fundamental para evolução do trabalho da família: “O conhecimento técnico foi muito importante para a melhora do nosso trabalho. Aprendemos muitas técnicas e as colocamos em prática. Trabalhamos para melhorar o solo e o resultado foi em mais pastagem para os animais se alimentarem. Foram muitos aprendizados que nos proporcionaram ter hoje menos trabalho e mais resultados”, relatou.
Em 2014, a cooperativa realizou uma ação em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que levou assistência técnica e revolucionou o trabalho da família. Os produtores receberam orientações técnicas para correção de solo e melhoramento genético das vacas, entre outras atividades.
Outra grande conquista da família foi a compra do tanque de armazenamento e resfriamento de leite, feita há cerca de três anos e meio. O equipamento tem capacidade de armazenar 1.200 litros de leite e é de grande importância para a qualidade sanitária do alimento. A família também investiu em uma ordenhadeira mecânica, composta por bombas que retiram o leite da vaca e transferem o produto por meio de mangueiras para o tanque, ferramenta que facilita grande parte do trabalho.
“Nós tínhamos o desejo de trabalhar de maneira mais confortável. Antes a gente tirava o leite das vacas manualmente, colocava nas latas e depois carregava com os braços até o tanque. Conseguimos comprar o tanque e o transferidor de leite com ajuda da Clac e por um preço justo. O pagamento foi todo financiado pela cooperativa e nós pagamos aos poucos todo o valor a eles sem juros nenhum”, disse Arildo.
“Eu sempre me preocupava com o conforto para trabalhar. Tinha esse anseio e esse desejo da gente montar uma estrutura melhor, com equipamentos, para que a gente trabalhasse com conforto. E hoje eu trabalho com prazer. Com a estrutura que a gente tem temos prazer em trabalhar, em dizer: ‘eu sou produtora de leite’. Se você tem uma cooperativa, você produz e tem onde vender o seu produto. A cooperativa, bem administrada, vai ajudar o produtor. O produto tendo o valor justo, o produtor também vai evoluir. O produtor ajuda a cooperativa e a cooperativa ajuda o produtor. Aí a coisa flui e alcança o sucesso com certeza”, ressaltou Vanilza.
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Com o crescimento da produção de leite, se fez necessária a expansão do curral, realizada em 2017. A mão-de-obra de Mateus foi essencial para a criação do maior espaço de abrigo das vacas. A mãe contou com orgulho as contribuições do filho, que representa a nova geração de produtores. A família ainda é composta pela filha Ariane Burini Natal, casada com Helder Mocelin, também produtores de leite e cooperados da Clac. Da casa de Arildo e Vanilza é possível avistar a propriedade da filha, a poucos metros.
“O Mateus soldou a estrutura onde as vacas ficam para tirar o leite no curral. Ele ajuda em tudo e sempre que precisamos está disposto. Nossa filha e nosso genro também são empenhados na produção de leite. É um orgulho para nós ver essa continuidade do trabalho na família”, destacou Vanilza.
“Ele administra essa parte mecânica na propriedade, se precisa mexer com máquina é tudo com ele. Eu e Vanilza cuidamos mais do gado. Foi tudo de bom a gente acreditar e confiar que o caminho estava aqui tão perto da gente e que a gente não precisava ir tão longe e ficar separado. Talvez seja um pouco até genético porque isso eu herdei do meu pai, e o pai de Vanilza sempre trabalhou na cooperativa, então já está no DNA, está no sangue”, completou Arildo.
Ser um produtor de leite é um entendimento intuitivo para Arildo. Ele diz com muita convicção que “produz leite e não somente tira da vaca”, pois entende que precisa cooperar para o bem estar do animal. A família complementa a alimentação com ração, oferece uma boa estrutura para abrigo das vacas, faz o acompanhamento veterinário e está sempre em busca de melhores condições e ferramentas de trabalho, que impactam positivamente na vida dos animais. Um fator que também reflete no bem-estar do animal é a afetividade, que é perceptível quando as vacas atendem os produtores pelos nomes. Algumas alcançam o ciclo de vida e produção na propriedade familiar de 12 anos, em média.
Todos podem aquilo que pode um (vídeo acima)
“A cooperativa pode fazer tudo aquilo que pode fazer para todo mundo” é uma frase do presidente da Clac, Rolmar Botecchia, que diz muito sobre os propósitos da cooperativa. Todos os cooperados são beneficiados de maneira igualitária, desde o produtor que produz a menor quantidade de leite até o que produz o maior volume. O auxílio na compra da silagem, ração para os animais, é de grande importância para a complementação da alimentação. A silagem tem um custo elevado para o produtor que pode ser ainda maior com o parcelamento do valor. A cooperativa realiza a compra, repassa a silagem e o produtor faz o pagamento sem juros. Outro importante auxílio é no custeio de 30% do valor de uma assistência técnica veterinária.
“Quando você visita o produtor de menor quantidade, ele tem um carro, uma moto, internet e tem o filho fazendo faculdade. Eu acho que nós temos participação nisso. Se não for assim perde o sentido. Para comprar e repassar, não precisa de cooperativa. A cooperativa tem que ser um pouco mais, oferecer a quem não tem condição, se não não vale a pena. O produtor que tem 5 ou 6 vacas não consegue fazer uma transferência de embrião sozinho, mas quando ele tá dentro de uma cooperativa, a gente consegue promover isso. Um produtor que tira 100 litros de leite vai ter acesso a uma tecnologia de ponta, que o maior produtor desse país usa, e ele vai poder usar também”, ressaltou Rolmar.
Rolmar está à frente da Clac como presidente há 15 anos, junto com outros diretores. Ele afirmou que uma das prioridades de gestão foi a promoção de assistência técnica ao produtor. Uma das ações de destaque foi a criação de 12 núcleos de inseminação artificial para oferta de tecnologia de melhoramento genético para todos os produtores. As vacas com genética melhorada produzem leite em maior quantidade e qualidade e têm menor ocorrência de doenças, como a mastite.
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A Clac desenvolve um projeto de Fertilização In Vitro (FIV) de bovinos com sêmen de touro holandês de ponta, com genética alta e melhorada. O projeto é realizado em parceria com o Sebrae, que custeia 70% do valor do procedimento e a cooperativa arca com 10%, restando 20% para o produtor pagar por meio de parcelamento. O vice-presidente da Clac e coordenador do projeto de FIV, Luciano Luís Grasse, explicou como é feito o procedimento, que tem como principal objetivo beneficiar os produtores.
“O sêmen é introduzido em uma vaca de raça Gir, pura, também de ponta e de genética muito melhorada. Depois é feita a coleta do embrião dessa vaca, que é distribuído para as vacas receptoras dos cooperados. Essa tecnologia é muito interessante para o produtor porque as novilhas dessas vacas são de genética avançada de última geração. Tem um valor bem mais do que o convencional. Com esses animais, o produtor constrói dentro da propriedade um patrimônio de maior valor agregado, com um rebanho que produz muito mais de leite”, disse Luciano.
Conforme relatou Arildo, um curso de inseminação artificial, promovido pela Clac, foi fundamental para que ele aprendesse a técnica. A capacitação levou à geração das atuais 20 vacas com genética melhorada, que nasceram na propriedade. Para a prática da inseminação, a Clac oferece ainda suporte no armazenamento do sêmen melhorado. A conservação do material genético é feita em botijões de nitrogênio, que pertencem aos produtores. O custo da compra do semên é mais alto em outras condições, por isso, o armazenamento no botijão é importante para dar acesso às famílias de produtores quando há a necessidade de uma nova reprodução. O valor do nitrogênio é custeado em 30% pela cooperativa. Quando o botijão é usado por diversos cooperados, a Clac paga 100% do preço do produto.
Além da tecnologia de inseminação ser usada para o melhoramento genético de vacas que produzem mais leite, os bezerros produzidos pela inseminação são destinados à venda, o que confere uma fonte adicional de renda para a família.
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Tradição, crescimento e fidelidade
Na década de 60, uma grande dificuldade dos produtores era vender e escoar o leite produzido. Para mudar esse cenário, 36 deles se uniram e fundaram a Cooperativa de Laticínios de Alfredo Chaves em outubro de 1962. No seu primeiro dia de fundação, a Clac recebeu cerca de 50 litros, como recorda Rolmar. Atualmente, a cooperativa recebe em média 1 milhão de litros de leite por mês dos produtores familiares. Além do crescimento na quantidade de leite produzido pelos cooperados, a Clac expandiu em diversas frentes. Uma delas foi com a indústria para produzir alimentos derivados de leite.
De todo o leite recebido pelos cooperados, 50% é transformado em queijos muçarela e frescal, iogurtes de diferentes sabores, manteiga, leite UHT, requeijão e requeijão cremoso. Os produtos levam o nome da marca Alfredense e carregam na embalagem a frase “Aqui tem agricultura familiar”, um fato comprovado em números. A Clac conta hoje com 300 cooperados, sendo 98% desses de base familiar.
Na terra da banana e do leite, a Clac é a única cooperativa de laticínios e também marca Alfredo Chaves com a sua importância econômica. Além da indústria de produção de derivados de leite, a Clac tem um supermercado e a loja Agroclac, que vende produtos agrícolas. Juntos, os empreendimentos somam aproximadamente 100 empregos diretos e 12 indiretos.
Entre os atuais 300 cooperados da Clac, ainda estão produtores que constituíram a cooperativa que completa 59 anos neste ano de 2021. “O seu Vitório Benicar é um produtor que foi um dos fundadores e até hoje manda leite para a Clac. O primeiro leite a chegar foi o dele, e continua chegando até hoje. É uma pessoa exemplar, que nos orgulha muito por fazer parte dessa trajetória”, disse o presidente da Clac.
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Diversificar também é cooperar
Um dos principais meios de venda dos produtos fabricados pela cooperativa é o Supermercado Clac. O empreendimento fica localizado no Centro de Alfredo Chaves, ao lado da indústria. Além de ter em suas prateleiras os produtos Alfredense, o supermercado conta com uma grande variedade de marcas e produtos, que atende à população do município e dos arredores. Além disso, a principal comercialização dos alimentos fabricados pela Clac se dá através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pelo qual a cooperativa vende para diversas prefeituras do Estado.
O tamanho do supermercado chama atenção, além da organização e do visual. Para chegar à atual estrutura, a trajetória foi de superação e reerguimento. Em 2012, às vésperas do Natal, o supermercado estava abastecido com capacidade máxima para as compras das famílias. No mesmo ano, fortes chuvas atingiram o Espírito Santo e alagaram diversos municípios, entre eles, Alfredo Chaves, cortado pelo rio Benevente, que passa atrás do estabelecimento da cooperativa.
O grande volume de chuvas fez o rio transbordar e alagar o supermercado. A água chegou a uma altura que ocasionou a perda de quase todos os alimentos que seriam a ceia da data tão especial. “Muitas pessoas saíram do interior de Alfredo Chaves para ajudar a salvar o que água não levou. Trouxeram ferramentas, entraram na água e todo mundo cooperou como podia. Isso nos fez ver como essas pessoas tinham um sentimento de que o supermercado também era delas e que estavam salvando o que é nosso”, relatou Simone Carpanedo, gerente do Supermercado Clac.
O Supermercado Clac foi reconstruído em uma estrutura maior e reinaugurado em 2016. Hoje, a Clac é uma das poucas cooperativas no Estado que tem um supermercado como modalidade de negócio. “Nós optamos por ter supermercado, muitas cooperativas já tiveram e não seguiram com essa escolha. A Clac tem esse empreendimento há muitos anos também para servir à população e aos cooperados, que tem participação na lucratividade”, completou.
Em 2018, a Clac ampliou os negócios e criou o Agroclac, uma loja de produtos agropecuários. O principal público comprador são os produtores rurais e agricultores familiares. Entre eles, estão os próprios cooperados, que também têm descontos na compra de remédios para as vacas, defensivos agrícolas e diversos outros produtos.
“Nós aliamos a oportunidade de negócio com a necessidade do produtor e investimos em um empreendimento que nos dá retorno e ajuda quem produz. O cooperativismo também é um regulador de preço. No lugar onde se tem uma cooperativa, você vê que o preço do insumo pode ser igual ou mais ou menos igual ao de outros estabelecimentos. Mas se tira a cooperativa, o preço explode. O produtor precisa ter condições de comprar com preço justo para trabalhar”, destacou Rolmar.
Intercooperação é um princípio
Ao sair do local de origem, o leite percorre um longo caminho até ser industrializado e comercializado. O leite que sai da propriedade familiar do cooperado é transportado por meio de intercooperação. A Clac se uniu à Cooperativa de Transportes Paraíso das Águas (Cooperáguas) para transportar o leite até a indústria. A ração de silagem, que é de grande importância para complementação da alimentação das vacas, também é fornecida por meio de parceria com a Cooperativa dos Produtores Rurais do Vale do Benevente (Coopruvab). No período de seca e menor pastagem, essa parceria para o fornecimento de ração, com valores que o cooperativismo proporciona, se torna ainda mais importante.
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“Um dos princípios do cooperativismo é a intercooperação e a gente pratica isso. A grande maioria da ração usada por nossos produtores no rebanho vem de cooperativa. O transporte do leite também é feito por outra cooperativa. Nossa conta bancária é gerida pelo Sicoob, mais uma cooperativa. Conseguimos disponibilizar tecnologia de ponta para nossos cooperados com auxílio da OCB e do Sebrae. A gente pratica a intercooperação porque a gente acredita e porque dá certo”, afirmou Rolmar.
Além dos queijos, iogurtes e leite, a Clac também tem em seu catálogo de produtos o leite em pó Alfredense, que é fabricado por meio de intercooperação com a Cooperativa de Laticínios Selita. O presidente da Clac destacou ainda que a cooperativa tem parcerias estabelecidas com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) para a promoção de assistência técnica entre os cooperados.
“A Selita tem o maquinário necessário para fazer o leite em pó e nós nos beneficiamos com isso. Também vendemos boa parte do nosso leite para eles. Nós estabelecemos parcerias fortes com prefeituras, Governo do Estado, secretarias municipais de Agricultura e com o Incaper. Não contamos com técnicos para atender a 100% dos produtores, mas fazemos parceria com quem pode oferecer o que necessitamos”, ressaltou.
Futuro em ação
Como Arildo e Vanilza apostam no filho Mateus para dar continuidade ao bom trabalho desenvolvido em cooperação na propriedade familiar, a Clac também mostra planos concretos para o futuro. A nova indústria da cooperativa está sendo construída em uma localidade mais distante do centro de Alfredo Chaves, em um terreno de 45 mil m². O investimento para a estrutura gira em torno de R$ 11 milhões e deve criar mais 20 empregos na região. Há o objetivo de produzir novos alimentos derivados de leite como queijos e doces, além de aperfeiçoar a embalagem dos produtos.
“Queremos crescer e aumentar a nossa diversificação de produtos, na mesma medida em que proporcionamos, lá na ponta, a qualidade de vida para nosso produtor. Assim, chega uma matéria-prima de qualidade que nos possibilita fazer um produto excelente”, resumiu Rolmar os propósitos da Clac, que também podem ser observados no pensamento de Mateus. "A união faz a força, sempre fez e sempre fará", afirmou com convicção o jovem produtor, enquanto cuidava e tirava leite dos animais da família.