sábado,
13 de dezembro de 2025

Geral

Delegada Vargem Altense “Dama de Ferro” se aposenta nessa semana

Alissandra Mendes.

Considerada a ‘Dama de Ferro’ da Polícia Civil, a delegada Ancila Zanol encerrou nessa semana uma trajetória de 33 anos e três meses de trabalhos prestados para a instituição. Aos 67 anos, ela anunciou sua aposentadoria depois de importantes passagens por delegacias do sul do estado, chefia do DPJ e na Delegacia de Defesa da Mulher.

Nascida em 19 de janeiro de 1947, na localidade de Paraíso Serrano, em Vargem Alta, e filha dos lavradores Amélio Zanol e Aludina Peterlle Zanol, Ancila é mãe de dois filhos, Lícia e Marcelo, e avó da pequena Lara. Foi casada uma única vez com o pai de seus filhos, com quem ficou por 22 anos. Mesmo separados, a amizade, o respeito e o carinho entre eles continua.

A mais velha de nove irmãos entrou para a Polícia Civil do Espírito Santo em 1981 e disse que aprendeu a profissão no dia a dia. Após tantos anos dedicados ao trabalho, ela garante que só tem a agradecer. “Não deixei só a minha equipe de trabalho, deixei também a família que fiz no trabalho e que vai continuar sendo minha família. Só tenho a agradecer a imprensa escrita, falada, televisiva e todos os jornalistas sérios que fizeram parte do meu trabalho. Ao querido Sérgio Neves e Jackson Rangel que sempre respeitaram o meu trabalho. Sou muito grata à sociedade de Cachoeiro. E à minha família. Deixo para meus filhos a honra que atravessou minha carreira. A melhor educação podemos dar aos filhos é o exemplo, e quero que se orgulhem de mim”, disse.

Em entrevista Ancila contou como foi o início de sua trajetória até o anúncio de sua aposentadoria.

Início

Meu primeiro emprego foi na Secretaria de Educação, era contratada. Ganhava um salário mínimo. Depois de um tempo, aos 22 anos, voltei ao colégio para fazer o ginásio e comecei o primeiro normal. Não tinha dom nenhum para ser professora e pulei logo para o supletivo. Naquela época em Cachoeiro tinham três faculdades: de Direito, Filosofia e Ciências Contábeis, que eram particulares. Prestei vestibular para Direito e pensei logo em fazer, porque me diziam que Direito tinha um monte de ramo. Quando minha turma de escola estava indo para o primeiro normal, eu já estava indo para o segundo ano de Direito. No terceiro ano me apaixonei por direito penal até que um dia veio uma supervisora de Vitória e me questionou porque não fazia o concurso da Polícia Civil. Era para escrivão e eu nem sabia o que era isso, mas ela me disse que seria muito bom, já que eu gostava do direito penal, então decidi fazer o concurso.

Concurso

Em 1980 me inscrevi. Eu era casada e já tinha minha primeira filha. Em 1981 fui nomeada. Foi uma surpresa, tanto passar no vestibular de Direito como passar no concurso da Polícia Civil. Logo depois que fiz o concurso descobri que estava grávida. Meu filho caçula nasceu no dia 09 de fevereiro de 1981 e fui nomeada no dia 12 de fevereiro. Eles me disseram que não podiam guardar a minha vaga. Eu não tinha como fazer academia com meu filho com três dias de nascido e não podia transferir licença de contratado para efetivo. Eu tinha um atestado de um mês do médico e me deixaram ficar esse período em casa, mas ao fim teria que assumir a Delegacia de Cachoeiro. Larguei meu filho com um mês de 15 dias de nascido em casa e fui assumir a antiga cadeia municipal, que ainda pertencia ao município naquela época do fim da ditadura. Fui a primeira mulher e pisar na Delegacia da Mulher.

Delegada

Quando cheguei à Delegacia, não sabia nada, nem o que era um termo de declaração. Eu pensava o que eu ia fazer naquele lugar. Na força da vontade e da necessidade, eu aprendi. Quando cheguei lá ainda encontrei um delegado daqueles da ditadura que eles colocavam. Ele era um general da ditadura, ruim, maldoso e muito cruel. Nessa época conhecei o tal do pau de arara. Fiquei horrorizada com aquilo. Falei com dois colegas de trabalho que não ia voltar mais, era muita crueldade. Eu precisava daquele emprego igual se precisa de água no deserto, mas daquele jeito não dava para voltar. Arrumaram uma sala nos fundos da delegacia para eu trabalhar, para não ter que ver tanta crueldade. Em 1985, estava caindo a ditadura e eles fizeram um acesso e ia entrar polícia de carreira. Então os comissários que já eram de curso superior de direito, eles iam automaticamente ser acessados ao cargo de delegado e todo escrivão que tivesse mais de quatro anos de direito e eu fui. No dia que eu soube que ia ser promovida a delegada não acreditava, naquela noite nem dormi mais. Fui para Vitória em 1986 para fazer minha primeira academia. Eu vim embora e Francelino ainda estava aí, não queria sair.

Disputa

Quando assumi fui mandada para Atílio Vivácqua, minha primeira delegacia, onde fiquei por sete meses. Em minha mente eu tinha que tomar conta daquilo tudo, e aquilo me forçava a ter um senso de responsabilidade muito grande. Depois vagou Muqui e pedi para ir para lá para ver se melhorava. Lá fiquei três meses e logo vi que era a mesma coisa que Atílio Vivácqua. Aí vagou Itapemirim e entrei numa briga de 10 delegados. Eu era a única mulher. Os delegados e colegas me pediam pelo amor de Deus para eu não ir, o chefe do DPJ me perguntou o que eu queria para não ir para lá, o próprio Francelino disse que eu não ficava lá 10 dias. O pessoal de Cachoeiro falava que quem trabalhasse em Itapemirim e não seguisse um lado, morria. Então eu disse que era pra lá que eu queria ir, porque é lá que ia aprender a trabalhar. O meu desafio mesmo foi Itapemirim. Eu pensava que depois que eu passasse por aquela comarca, eu iria me tornar uma delegada de polícia. Lá eu aprendi a trabalhar. Foram quase quatro anos. Lá pude ampliar meu leque como delegada.

DPJ

Em 1991 foram criados os Departamentos, e criada a Delegacia da Mulher e então vim para Cachoeiro. Pedi para vim. Estava cansada de trabalhar lá. Foram trabalhos bonitos, muita apuração de crimes, tudo em conjunto: PC, PM, P2, juiz e promotor. Lá consegui trabalhar e colocar preto, branco, político, ladrão grande, criminoso grande na cadeia. Eu trabalhava lá uma média de 13,14 ou 15 horas por dia. E eu perdi o medo. O Solon me ensinou e me ajudou muito. Sempre tive um trabalho muito amplo.

Mulher

No mesmo ano, em 1991 assumi a Delegacia da Mulher e em 1995, me mandaram também para o DPJ, mas sentiram que eu não era boa coisa e depois de sete meses me tiraram. Em 1997, por pura espontânea pressão, o chefe da polícia me obrigou a assumir o DPJ de novo e lá fiquei por nove anos. Eu já estava respondendo pela Delegacia da Mulher. Nesse período tivemos três delegadas na da Delegacia da Mulher, uma delas é a magistrada Graciene, que foi a última que saiu. Fiquei um ano praticamente fora só. Foram 23 anos com a Rosangela e o Edmo, que são os mais antigos de lá.

Preconceito

Não sofri nenhum preconceito em lugar nenhum. Era muito predestinada. Me dedicava muito, não tinha medo de nada, tinha cuidado. Fui a única delegada na história do Espírito Santo que passou mais tempo à frente de um DPJ só. Eu fico alegre hoje, porque encontro muitos presos que passaram por mim e que me cumprimentam na rua e me agradecem por estar hoje em outra vida. Eu tinha carinho com os presos. Tinha meu momento de dureza quando tinha as rebeliões, mas sempre tive uma gana de Justiça. Para mim a coisa pior é injustiça. Quando vejo ou ouço: ‘aquele bandido’, e você vê que é um pé no chão, um pobre coitado, pé rapado, uma vítima da sociedade, uma vítima da corrupção. Ai quando fala de um alto fala: ‘o filho do Dr. fulano, do desembargador tal, o filho do delegado aposentado’, aí tem família. Há 25 anos eu falava que quem criou essa miséria que vivemos foi culpa da corrupção, em todas as áreas do Brasil. Os grandes traficantes criaram os ‘garimpeiros’. Hoje usam criança, como vemos diariamente. É o crime da miséria. Você não vê cadeira cheia de rico. Se rico fosse para cadeia vai ser uma cadeia com sauna. Isso sempre corroeu a minha alma. Por isso já subi muito morro e já passei por cima da Justiça para preservar um bem maior.

Arma

Não uso arma. Nunca usei arma enquanto delegada. Não gosto de arma, nunca gostei de arma. Nunca tive essa paixão por arma. Fui criada na roça, mas meu pai não era um homem envolvido com esse tipo de coisa. A minha conduta, o meu caráter vem do meu pai e da minha mãe. Uma vez, há muitos anos, cheguei a acautelar uma arma, quando trabalhava em Itapemirim e fui ameaçada. Acautelei um revólver pequeno cinco tiros. Nem sei mexer nessas armas de hoje. Desanimei com aquilo, fui lá e entreguei o revólver e nunca mais tive arma na vida. Já dei tiro na academia, fora isso, nunca. Foram 33 anos e 33 dias e nunca usei arma.

Trabalho

Ajudar pessoas mais necessitadas, subir morro para ajudar idosos, crianças, pessoas doentes, isso me fez muito feliz. Esse trabalho social me deu uma alegria muito grande na polícia. Já paguei na época da cadeia fiança de R$ 100,00 para preso sair. Comprei muito remédio para preso e isso me satisfazia. As apurações de crime, como a do casal de Minas, que aquilo me fez um bem apurar. O caso do estuprador de Marataízes, que fez mais de 30 vítimas, também me fez bem em apurar, vários outros crimes que pude apurar. Pode rico na cadeia. O inquérito não é uma peça meramente informativa. O juiz se baseia muito no inquérito. Por isso gosto muito de ir ao local de crime. Foram vários fatos. Os que me entristeceram foram as violências brutais que vi. Como uma menina de 12 que o pai engravidou, isso ficou muito marcado em mim.

Lei

Sempre tive um entrosamento muito bom com a Justiça local e tenho até hoje. Na época, o crime de ameaça não podia se colocar na cadeia e naquela já colocava. Eu já fazia a Lei Maria da Penha. Sempre procurei trabalhar para não fazer injusta. Tive um caso no Aeroporto de estupro ‘comprovado’, quando a vítima apontou o estuprador. Ela chegou em casa sangrando e o irmão viu. Os pais acordaram e ela com medo, contou para os pais que foi estuprada. Mandei a exame e o legista comprovou. O pai perguntou quem era, o primeiro que apareceu, um vizinho deles, pessoa boa, foi acusado. Ele chorava e negava. Decidi não acabar de lavrar o flagrante já achando que ela podia estar mentindo. Mandei a família para casa e tive que deixar o ‘suspeito’ detido. No dia seguinte, a menina contou a verdade aos pais e disse que teve relação com o namorado, que a família não conhecia. Deus me iluminou naquele dia para eu não praticar uma injustiça.

Polícia

A polícia evoluiu muito. A polícia foi melhorando em todos os sentidos. Ainda falta muita coisa. Por exemplo, a Delegacia da Mulher precisa de um psicólogo, uma sede, assistente social, casa de apoio para recolher as mulheres que não podem voltar para casa, psiquiatra, funcionários. Lá hoje, é um absurdo. Não é para gente, é para atender a própria sociedade.

Política

Jamais pensei em ser política. Quando assumi o DPJ, logo percebi que começaram a me cortejar para me convidar a ser candidata a vereadora. Como sou filha lá do Paraíso (Serrano), transferi meu título imediatamente para Vargem Alta. Uma coisa que eu jamais queria ser é político. Prefiro ser gari. Respeito os bons políticos, apesar de serem poucos. É assim que eu penso.

Aposentadoria

É uma sensação do dever cumprido, com muita alegria e satisfação. Sou agradecida a todos que colaboraram: a Polícia Militar, Polícia Civil, meus superiores, em nomes dos nossos representantes daqui Dr. Faustino e Dr. Paulo Rogério, quero agradecer todos os demais, a imprensa. Sai uma mulher feliz, uma mãe feliz e uma profissional feliz, realizada. Só tenho a dizer obrigada meu Pai, meu Jesus e meu Divino Espírito Santo, por ter me acompanhado e nunca ter me deixado cair com pessoas maravilhosas ao meu lado.

 

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