Fernanda Zandonadi/Rádio FMZ
Poeira. Secura. Sol. A exemplo de outras cidades do Espírito Santo, Venda Nova do Imigrante também sente a sede da falta de chuvas. Pelas ruas, a poeira toma conta do ambiente quando passa um carro ou um vento mais forte teima em soprar. É só olhar para qualquer morro que cerca a cidade para notar que o verde das matas já dá sinais de desgaste, tornando-se um bege palha sem viço.
Nas torneiras, a água ainda não chegou a faltar para a população. Diferente de outras tantas cidades no Estado, Venda Nova não decretou estado de emergência e não há risco de desabastecimento. Ainda. Segundo dados da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), o Rio Viçosa, principal manancial que abastece a cidade, já dá sinais de cansaço. Dos 33 litros cúbicos captados por segundo para abastecimento das casas, 28 são retirados do rio em tempos de fartura. O restante é captado na barragem do Alto Bananeiras. Hoje, esta conta já mudou e a maior parte das águas que chega às casas vem da reserva.
“Por enquanto, a barragem está garantindo o abastecimento da cidade. Sem ela, já enfrentaríamos o desabastecimento. Hoje, ela está com 50% de sua capacidade. Acompanhamos diariamente o nível das águas, ainda estamos na margem de segurança e não há risco de desabastecimento próximo. Mas isso não significa que podemos desperdiçar água. É momento de uso racional, para evitar a falta no futuro”, avalia o chefe de operação e manutenção da Cesan na Região Serrana, Wanderlei Silva de Andrade.
Em tempos de fartura hídrica, 90% do abastecimento da cidade vem do Rio Viçosa. São retirados, em média, 28 litros de água por segundo do manancial. Outros cinco litros são retirados da barragem. Isso em tempos normais, de chuvas. Mas com a estiagem prolongada, a vazão do Rio Viçosa já chegou aos dez litros por segundo. Um número crítico. Hoje, corre pelo leito menos de 20 litros por segundo. E nem toda essa água pode ser captada. Isso significa, na prática, que o que mantém o abastecimento regular em Venda Nova é mesmo a água armazenada em Alto Bananeiras.
Infelizmente, não estamos fazendo nossa parte. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de 110 litros diários por pessoa como sendo suficiente, em Venda Nova o gasto de água chega a 150 litros por dia. “Isso dá uma margem grande para a economia. Gera uma diferença imensa quando falamos de uma cidade inteira economizando. E não temos observado essa diminuição do consumo da população. E isso, se a estiagem permanecer, pode significar rodízio no abastecimento no futuro. Racionamento, já estamos, já que trata-se do uso racional da água para evitar o desabastecimento”.
Na propriedade da aposentada Neusa Sossai, a nascente que abastecia a casa secou. “Em quarenta anos que moro aqui, nunca vi isso. Tivemos que furar um poço, que está abastecendo dez casas”, conta a moradora, enquanto aponta para uma área com goiabeiras. “Ali era tudo brejo. Tinha água em toda aquela terra. Hoje está tudo seco, nem o riacho que meus filhos brincavam quando eram pequenos escapou. Secou tudo”, explica ela, enquanto mostra um poço que precisou ser cavado para abastecer a casa.
Ao lado da plantação de goiabas, há uma pequena barragem para armazenagem de água. A cor esverdeada denuncia a falta de reposição de líquido. O nível, baixíssimo, assusta quem já viu o local em tempos de fartura hídrica. “Quando chovia muito, a água chegava a vazar para a estrada. Agora, é só esse fundinho que você está vendo aí”, conta Neusa.
Dona Dalva conta que a família precisou perfurar um poço para garantir o abastecimento da família
Os ciclos da seca: um pouco de história
Mas a estiagem que aflige os capixabas hoje já teve lugar em outros períodos da história. O agricultor Ângelo Falqueto, o seu Angelim, tem 75 anos e muita história para contar. Ele chegou na Rádio para a entrevista em uma tarde quente de terça-feira (14). A primeira frase, após os cumprimentos, foi “e essa seca, heim”. O céu azul, sem sinal de nuvens, não deixava dúvidas de que a falta de água ainda iria durar algum tempo. “Acho que são ciclos”, avalia seu Angelim.
Ele começa contando de uma seca histórica, que poderia ter mudado o destino de várias famílias em Venda Nova. Em 1902, mais ou menos, o avô do agricultor, que também se chamava Ângelo, veio para a região junto com os três irmãos: Francisco, José e Antônio. A ideia era comprar parte de uma propriedade onde hoje é o Pé da Serra, em Lavrinhas. Mas o negócio não foi fechado de imediato. O motivo: a secura do lugar. “Até o rio estava seco, meu avô contava. É a primeira grande seca que temos conhecimento aqui em Venda Nova”.
Depois, aos 16 anos, em 1957, seu Angelim presenciou outra grande crise das águas na região. “Naquela época, caiam as cabeças de palmitos de pés com 50 metros de altura, tamanha a falta de água. E até os palmitos que cresciam nas grotas estavam secando”. As grotas, explicou ele, são as áreas mais profundas dos morros e, normalmente, o local onde há mais água acumulada.
“Foi uma seca muito intensa. Não percebíamos muito, porque eram poucas casas em Venda Nova, poucas famílias que não gastavam muita água. Não tinha banheiro, água encanada, máquina de lavar. Então, se a água diminuia, não influenciava muito na vida das pessoas. Foi uma grande seca, mas lembro bem que depois de uns seis meses de chuva, foram seis meses de sol. Acho que essa que está acontecendo hoje é pior, vem de três anos de pouca água.”
Ele exemplifica a crise hídrica falando da nascente, que há décadas abastece sua residência. Se antes, o olho d’água atendia quatro casas, quatro hortas, quatro galinheiros e um curral com vacas e ainda sobrava água, agora o fio de água que corre abastece, com economia, apenas uma residência.
“E a gente nota que as coisas estão piores porque até os bichos estão saindo da mata e bebendo água no meio do pasto. Geralmente eles tomam água armazenada nos gravatás, nas volhas. Mas não tem mais. Dia desses, apareceu perto do pasto um macaco branco, de cabeça preta, para beber água. Nunca tinha visto um bicho daqueles.”