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Articulista e Analista Político do Portal Notícia Capixaba; Wellington Callegari é servidor do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, professor de História, Geografia e Filosofia e Analista Político. |
Um dos grandes avanços do chamado “Estado Democrático de Direito” é o processo licitatório. Basicamente, consiste em uma série de procedimentos dispostos pela Lei para garantir que o Poder Público, ao adquirir bens, materiais e serviços, o fará de forma eficiente, democrática e honesta, colocando o interesse público acima de quaisquer interesses privados, especialmente os dos detentores do poder e seus associados “empresários”. É a única opção a nos separar da implacável apropriação do Estado pelos políticos. Imagine o leitor, o que seria do País se não existissem leis determinando como as autoridades podem fazer compras com nosso dinheiro. Se com a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) e outras normas já está difícil (como demonstram os nojentos fatos desvendados pela Lava Jato), imagina o quer seria de nós sem ela.
A legislação brasileira sobre o tema é considerada uma das mais severas do mundo, mas esbarra nos velhos problemas históricos e culturais de nossa sociedade, em especial o patrimonialismo, isto é, o hábito de tratar a coisa pública como “coisa nossa”, o clientelismo, que é a manipulação de votos por meio da troca de favores, em geral prestados à custas do dinheiro público, isto sem falar no bom e velho “jeitinho brasileiro”, capaz de encontrar várias brechas nas licitações.
Em nossa querida Região Sul e Serrana do Espírito Santo, infelizmente não é diferente. Nota-se em nossos pequenos municípios, por exemplo, a infeliz tendência de se usar e abusar da modalidade licitatória conhecida Carta Convite. Para quem não sabe, explico: Existem diferentes tipos de licitação, como Concorrência, Tomada de Preços, etc. Dentre todas, a Carta Convite é a modalidade mais simples e livre de entraves burocráticos. Seu objetivo é facilitar a aquisição pela Administração Pública de bens e serviços de valor relativamente baixo, sem, entretanto, abrir mão da segurança de um procedimento licitatório. É permitido para obras e serviços de engenharia até o valor R$ 150 000,00 (cento e cinquenta mil reais) e outros serviços e materiais até o valor de R$ 80 000,00 (oitenta mil reais), e consiste em convite feito à pelo menos três concorrentes conhecidas na Praça, as quais, dentro das especificações estabelecidas, devem apresentar um orçamento para que o melhor preço seja escolhido. Essa modalidade de licitação dispensa publicação em Diário Oficial, bastando que o Edital seja afixado em local público da repartição responsável pelo certame (licitação). Também dispensa Comissão de Licitação, bastando um servidor encarregado do processo.
Com todas essas características, desnecessário é dizer que a Carta Convite se presta maravilhosamente a fraude e a corrupção. Não se trata aqui de condenar essa modalidade de licitação, que possui sim seus méritos (em especial, a rapidez), mas sim a safadeza de diversos administradores públicos que insistem em perverter o procedimento legal. O próprio leitor, que mora em nossa região pode falar a respeito. Pense naquele empreiteiro que pega todas as obras da prefeitura. Ou naquele jornal que publica todas as propagandas. Ou na loja de materiais de construção que tudo fornece. Sem falar de postos de gasolina. Temos assim, toda uma constelação de empreiteiros, empresários e fornecedores que orbitam em torno de nossas prefeituras. Geralmente com nomes e rostos bem conhecidos da população, presentes de quatro em quatro anos, seja em palanques, ou pior, nos bastidores. E o pior é que nem mesmo a atual crise avassaladora que oprime os municípios capixabas parece ter diminuído a cobiça de certos agentes e grupos políticos. Continua a manipulação de licitações e o uso de malandragens como por exemplo o convite à empresas laranjas com o objetivo de beneficiar determinada pessoas ou empresa.
E o mais triste é que esses grupos e pessoas parecem não ter aprendido nada com o que está acontecendo. Parecem não estar vendo que o Brasil mudou. Que a Sociedade mudou. Que a Polícia e o MP mudaram. Quantos Marcelo Odebrecht e Zé Dirceus, terão que mofar meses e anos na cadeia para que esses indivíduos aprendam? Ou será que sofrem de alguma miopia arrogante que lhes impede de ver que se “o pau tá quebrando de quina” para os poderosos de Brasília, quanto mais para os corruptos e corruptores de cidade pequena nesse belo pedaço de Brasil, chamado Espírito Santo.
Aqui me despeço com os sinceros votos de que os cegos possam enxergar a verdade que está diante de seus narizes.